Se os dicionários falassem, é provável que ouvíssemos o seguinte diálogo:

(Aurélião) – Puxa, tô cansado viu…

(Miguelito)- Que foi Aurê, algum problema?

(Aurélião) – Num aguento mais esses falantes, cara. Num aguento mais correr atrás dos caras. É muita inovação pro meu gosto! Dô conta não…

(Miguelito) – Ah, mas não tem muito o que fazer não cara, você sabe. Nossa vida é essa. Correr atrás. E ainda por cima temos que ser malabaristas, pois essas palavras vivem tentando escapar, escorregar. Temos que correr e ao mesmo tempo ficar equilibrando as danadas. Ninguém merece, né, mas fazer o quê?!!

E por aí seguiria. A verdade é que se os dicionários fossem menos orgulhosos de si mesmos (ou talvez seja apenas por birra) eles iniciariam com um aviso do tipo “Atenção! Este produto tem data de validade e é parcial. Nem todas as palavras estão aqui, só as que conseguimos recolher. Além disso, as que estão certamente foram parcialmente descritas. Finalmente, este produto expira em poucos anos!”. É… o que a linguística nos mostra é que o dicionário é sempre um retrato (inclusive no aspecto da perspectiva parcial) do passado. Mais ou menos como olhar pro céu.

A língua está em constante mudança, com palavras entrando em “extinção”, outras sendo introduzidas e outras, já existentes, modificando-se. Como é o resultado de um longo processo de produção, o dicionário, quando chega ao mercado, já está defasado. Sabe aquela máxima, “dicionário é o pai dos burros”? Pois é. Ledo engano. Ou melhor: o pai é tão burro quanto os filhos. O dicionário pode ajudar, assim como pode atrapalhar bastante. Basta comparar dicionários diferentes e, melhor, de diferentes épocas, para ver o quanto eles podem variar. Mas mais importante é notar o aspecto ideológico que os permeia. Dicionários são feitos por humanos e assim sendo, refletem características ideológicas destes. Por esta razão, todo cuidado é pouco e todo senso crítico é fundamental.

Para nós que nos acostumamos a ver o dicionário como um meio de encontrar a verdadeira e final – olha a gravidade disto – acepção das palavras de nossa língua, entender que ele é suscetível a preconceitos, incompletudes (tanto em termos de um verbete específico, quanto ao número de verbetes), ideologias e outras influências desse tipo, pode ser um choque, mas ter a consciência disso é de suma importância.

Dicionário: “beba” com moderação!