Hoje perguntei à minha filha (4 anos, 3 meses e 15 dias) no café da manhã:

P: Cocô de bolo é bolo de cocô?

Eu sei, eu sei… Você deve ter pensado, “Mas que pergunta é essa no café da manhã? Aff, só o pai mesmo…” Bem, é verdade, só o pai mesmo. Mas, um contraponto: é o tipo de coisa inusitada que prenderia a atenção e despertaria o interesse da criança, não acham? 😉 Sigamos em frente, então.

Meio confusa da primeira vez, ela respondeu afirmativamente quando repeti a pergunta, mas sem aparentar convicção. Suspeitando de uma dificuldade de processamento aí, refiz o “teste” de outro modo:

P: O que é bolo de cocô?
C: É um bolo fedorento!
P: E o que é um cocô de bolo?
C: É um bolo que faz cocô.

Desse diálogo, percebe-se claramente que o conhecimento sobre adjuntos adnominais preposicionados está aí, assim como a análise correta da estrutura de modificação nominal. Ao mesmo tempo, vê-se que, como sabemos, formas incorretas de acessar o conhecimento linguístico da criança podem comprometer resultados obtidos e levar a conclusões falsas. Mas há mais informações nesses dados (a análise é informal, aviso):

  • A transferência da propriedade de “fedor” do “cocô” ao substantivo “bolo”, visível na substituição de “de cocô” por “fedorento”, licenciada pela preposição “de”. Fico imaginando qual seria a semântica da preposição nesse caso, algo como “feito com” de natureza passiva e instrumental (ou substancial)?
  • A atribuição de animacidade a “bolo”  a partir de “cocô de bolo”, o que demonstra a complexidade da semântica da preposição neste caso. Veja que não é impossível que esta expressão fosse interpretada também como no primeiro caso, porém invertido: um cocô feito com bolo. Porém, a primeira interpretação da criança foi a que atribui agentividade a “bolo”, de modo que “cocô de bolo” poderia ser parafraseado por “cocô que o bolo fez”.

Este tipo de dado (que pode ser obtido também de adultos, claro) pode contribuir para esmiuçar as propriedades semântico-conceituais (num sentido jackendoffiano) em jogo nos diversos sentidos possíveis da preposição “de”.