“Então, onde está esse tal de Wally?”, “Acho que está… hum… aqui, perto da cabana!”, abriu-se um belo sorriso, contrastando maravilhosamente com os olhos marejados.

Olha ele aí!

Seu nome é Vitória e naquele momento ela chorava copiosamente. Deitada no sofá, cobrindo o rosto com os braços, deixava visível apenas a cabecinha nua que, ali, era um pouco mais do que a moda vigente: Vitória tem câncer. Do alto de seus sete anos, talvez, Vitória não estava num bom dia. Por mais que estivesse habituada ao tratamento, na verdade, ninguém se habitua. Na melhor das hipóteses, se cala e aguenta. Ou brinca.

Neste dia, Vitória não brincava. Estava num dia ruim, frágil, carente. A rápida saída de sua mãe para falar com os médicos não era realmente o problema. Foi só o gatilho. Ela também sentia fome, estava de jejum, mas a fome para ela não era do mesmo jeito. É uma fome difícil de saciar, pois comer à s vezes só piora tudo. Vitória chorava.

“Por que você tá chorando?”, ouviu. Mostrou os olhinhos cheios de lágrimas. “Que foi, que você está triste assim?”, ouviu de novo, agora olhando para ele e pensando se esse era um tio novo. “Minha mãe”, choramingou, “ela saiu”. “Ué, mas não precisa chorar, pois ela volta daqui a pouco, não é?”, Vitória percebeu que não teria como escapar, mas não seria fácil assim não, pensou. Permaneceu deitada, enquanto ouvia o tio insistir, “Vamos brincar de algo, que tal? Talvez um quebra-cabeças, você gosta?”. “Não gosto de quebra-cabeças não”, caprichando na voz chorosa. Agora, era pura manha e ela sabia disso.

“Hum, então, talvez… Você conhece o Wally? Já brincou de achar ele no livro?”. Vitória parou de chorar e olhou pro tio. Como ele pôde acertar em cheio assim, pensou. Ela gostava desse livro e não resistiria a brincar com o tio, mas tinha um pequeno plano, do seu tamanho. “Não…”, respondeu. “Quer brincar comigo?”, perguntou então o tio e ela fez que sim com a cabeça. O tio saiu para pegar o livro e ela enxugou as lágrimas. Quando ele chegou, ela se sentou e já começava a esquecer da tristeza. “Qual o seu nome?”, “Vitória”, “Ah, olha que nome lindo. Com um nome desses é certeza que vamos ganhar o jogo!”. Seus olhinhos brilhavam de uma outra maneira, o sorriso começava a abrir espaço e moldar seu rostinho. “Grande Wally”, pensou o tio.

Ela tinha um plano. Sabia o livro praticamente de cor e salteado. Ela sabia onde o Wally estava e mal esperava o tio passar as páginas, já apontava, “aqui!”, “hum, perto do cachorro… aqui!”, “no barco, bar…. aqui!”. Ela brincou, mas fez questão de sempre achar o Wally primeiro. Vitória sorria agora, bastante. Terminaram o livro e o tio até insistiu para recomeçarem, procurando os objetos que o Wally perdia a cada página. “Vamos recomeçar, olha só. Procurando as coisas dele”, disse o tio. Não adiantava mais. Vitória já não estava mais com ele, agora ela tinha a alegria como companheira e saiu com sua mãe que voltou e a chamou para a consulta. Ela tem câncer. Mas, lembremo-nos: seu nome é Vitória.

O tio guardou o livro, parou por alguns segundos, com um sorriso no rosto e o olhar distante. Quanto a Vitória, ela ainda não sabe por que é que Wally ficou com esta mania de se esconder.

Ôh! Wally...

Entretanto, isso não é importante. 😉